terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Terapia cognitivo comportamental ajudou 46% dos participantes de um estudo a reduzirem pelo menos 50% de seus sintomas depressivos, em artigo do The Lancet




A depressão deve tornar-se a principal causa de incapacidade nos países de alta renda, em 2030. Atualmente, apenas um terço dos pacientes que sofre desta doença responde plenamente à medicação antidepressiva. Em um artigo publicado pelo The Lancet, Wiles Nicola e colaboradores apresentam os resultados de um ensaio clínico que demonstrou a eficácia da terapia cognitivo comportamental (TCC) na redução dos sintomas depressivos.

Um total de 469 pacientes, com idade entre 18 e 75 anos, foi envolvido neste estudo randomizado, em larga escala, e os resultados mostram que 46% dos participantes que fizeram TCC, além de terem recebido os cuidados habituais incluindo a farmacoterapia (n=234), relataram uma redução de pelo menos 50% nos sintomas depressivos, em comparação com 22% daqueles que continuaram apenas com o tratamento usual (n=235). Os pacientes foram acompanhados por 12 meses.

O estudo forneceu evidências robustas de que a TCC, como um complemento ao tratamento habitual, que inclui o uso de antidepressivos, é um tratamento eficaz para a depressão na população avaliada.

Fonte: www.news.med.br


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

SER CONTROLADOR OU CONTROLAR?


Por Tatiana Ades


"O controle excessivo é uma doença séria que deve ser tratada com medicamentos e ajuda terapêutica"

Muitas mulheres creem na falsa ideia de que o controle que seu parceiro atua sobre ela está ligado ao amor, preocupação e desejo.

No entanto, controle nada tem a ver com amor, pelo contrário, é uma forma agressiva de ter para si mesmo um objeto de prazer, objeto esse que não pode sair da linha, senão deverá ser castigado.

O controle está ligado à necessidade que alguém possui de sentir-se superior. Geralmente essas pessoas são manipuladoras, sádicas e em alguns casos possuem uma autoestima baixíssima. Por isso, recorrem ao “poder sobre o outro” para sentirem-se melhores consigo mesmas.


RELATOS

Ana Karina (nome fictício) chegou ao meu consultório reclamando do controle que seu marido exercia em sua vida. Ela conta-me preocupada que ele chega a controlar o que ela veste, come, com quem pode ou não sair, quem são os amigos corretos e com quem da família ela deve manter contato ou não.

Percebam que o marido de Ana está egoisticamente adaptando a vida dela aos seus desejos e necessidades. De forma alguma ele está preocupado e com boas intenções de estar em um relacionamento saudável e de troca.

Outro paciente reclama da falta de liberdade com a namorada. Danil (nome fictício) diz que recebe ligações dela o dia inteiro, exigindo explicações de onde está, com quem está e o que está fazendo. Ele descobriu que ela usa suas senhas pessoais (descobertas por ela) para acessar suas redes sociais, contatos virtuais e que inclusive exigiu que ela pudesse ligar para todas as mulheres amigas dele e conferir quem realmente eram.


SER CONTROLADOR OU DEIXAR-SE CONTROLAR: QUAL É A PIOR DOENÇA?


Ambas se encaixam e são perigosíssimas, uma vez que o controlador recebe a informação do controlado de que ele pode ir além. A situação torna-se caótica e podemos chegar a extremos com severas punições como agressões físicas, verbais e emocionais.


Lembre-se bem de que controle nada tem de sinônimo com preocupação sincera, amor, carinho e afinidade. O controle excessivo é uma doença séria que deve ser tratada com medicamentos e ajuda terapêutica.


Se você se identifica com um controlador ou um controlado, repense suas atitudes e tende entender o que ocasionou essa dinâmica substituindo o companheirismo pelo sentimento de posse.

Perfil do controlador 

- Egoísta;
- Manipulador;
- Frio;
- Ansioso;
- Impulsivo;
- Às vezes agressivo;
- Egocêntrico. - 

Perfil do controlado

- Depressivo;
- Baixa autoestima;
- Tendência a relações simbióticas e problemáticas;
- Personalidade dependente (sozinho não se suporta)
- Compulsivo em diversos casos (álcool, sexo, etc.).

Um amor só é real quando duas unidades se completam formando assim uma só. Um jogo de manipulação e poder é o avesso do amor. Controlar é não respeitar a individualidade do outro e deixar-se controlar é estar doente sem ao menos perceber.

Fonte: http://psicologia-ro.blogspot.com.br

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Transtorno bipolar não tratado prejudica o cérebro

Doença afeta 2,2% da população brasileira. Diagnóstico correto pode levar até uma década


Rio Grande do Norte - A cada crise de mania ou depressão vivenciada pelo paciente bipolar, importantes partes do cérebro são danificadas. Repetidas ocorrências podem levar a danos muitas vezes irreversíveis.

“O transtorno bipolar é uma doença tóxica, ou seja, são liberadas toxinas que atuam na destruição dos neurônios, levando a perda de capacidade mental”, explica Angela Miranda Scippa, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB).

A crise pode mexer como o equilíbrio do organismo, aumentando o estresse oxidativo em todo o corpo e agravar a doença em si.

“Cada episódio faz com que a doença piore um pouco”, alerta Flavio Kapczinski, psiquiatra e pesquisador da Universidade federal do Rio grande do Sul (UFRGS).

“A cada cinco quadros depressivos, há uma perda de 10 a 20% no hipocampo”, quantifica Fabio Gomes, psiquiatra e professor da Universidade Federal do Ceará. O hipocampo é uma estrutura localizada no lobo temporal do cérebro, responsável principalmente pela memória e pela cognição. Nesses casos, por exemplo, os resultados são a falta de concentração e dificuldade na leitura.

“Muitas mudanças reversíveis podem gerar uma grande mudança irreversível”, diz Kapczinski.

Os danos no cérebro podem ser maiores ou menores, dependendo da intensidade e duração dos sintomas e da crise em si. “É como ter um corte no braço. Se você agir logo, pode reduzir as chances de infecção e deixar uma cicatriz menor. Cada episódio de mania ou depressão deixa uma espécie de cicatriz”, relata Angela.

Alto índice de óbitos

Cada crise gera também um desgaste no corpo. Diversos estudos já demonstraram que a mortalidade entre os pacientes não tratados é maior do que aqueles em tratamento.

“Os bipolares não tratados morrem em média 20 anos antes da população em geral”, alerta Kapczinski.

Além do alto índice de suicídio – estimativas da ABTB apontam que até 50% dos portadores da doença tentam o suicídio pelo menos uma vez na vida e 15% realmente se suicidam – há também uma incidência maior de comorbidades como doenças cardiovasculares e câncer, o que aponta para um deterioração progressiva e consequente agravamento do quadro, que pode até levar à morte.

“O bipolar pode ficar dois anos apresentando sequelas de uma crise ou, em alguns casos, nunca se recuperar. Sem tratamento, as crises vão piorando e as sequelas se acumulando”, completa Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Por isso, o diagnóstico e o tratamento precoce dessa doença crônica são tão importantes.

Diagnóstico

Atualmente, os pacientes levam em média 10 anos para serem diagnosticados com transtorno bipolar. O desconhecimento e o preconceito e sobre esse transtorno do humor são os principais motivos que levam à demora. Na tentativa de reverter o quadro, a Associação Brasileira de Psiquiatria lançou esta semana, em Natal (RN), durante o Congresso Brasileiro de Psiquiatria, uma campanha nacional de alerta sobre a doença, que atualmente afeta 2,2% da população brasileira.

“As pessoas não se tratam porque não sabem o que tem, não entendem a doença, não conhecem seu prognóstico. É possível identificar os primeiros sinais e saber que assim que eles aparecem deve-se ir ao médico para evitar uma crise”, diz Antonio Geraldo.

Os principais sintomas do transtorno bipolar são irritação e agitação, depressão, insônia, sentimento de êxtase, fala rápida, distração, alegria exagerada, excitação sexual exacerbada, perda do apetite e pensamentos suicidas.

“Mas não são alterações comuns de humor, como a que estamos acostumados a vivenciar. O comportamento muda, a pessoa age diferente do que costuma ser e os sintomas se apresentam durante sete dias, em média. Parentes, companheiros e amigos são os primeiros a notar”, esclarece Angela.

A doença normalmente se manifesta pela primeira vez na adolescência, mas a pessoa pode apresentar os sintomas em qualquer idade.

“O ritmo biológico desregulado, a privação do sono, ou um evento estressante podem desencadear uma crise. A instabilidade que se instala não é exclusivamente de humor, mas também de funções biológicas como pensamento, metabolismo e ritmo. O humor é somente a que mais aparece”, explica Teng Chei Tung, psiquiatra do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

A doença

Existem dois tipos mais comuns de transtorno bipolar: o 1 e 2. O primeiro é caracterizado por quadros de euforia e mania intensas, ideias de grandeza, inquietação e comportamento suicida. O segundo apresenta quadro mais leve na intensidade com mania leve, costuma ser falante, tem problemas para dormir e costuma ser agitado.

“Esse é o que passa mais despercebido na sociedade e o mais difícil de ser diagnosticado”, afirma Angela.

O tratamento mais adequado para a doença inclui psicoterapia, medicamentos para regular o humor e psicoeducação (conscientizar o bipolar e a família sobre o transtorno e ajudá-los a identificar as crises e agir).

Os médicos são unânimes em afirmar que os remédios não criam dependência química e ressaltam que eles são necessários e indispensáveis. O tratamento deve ser seguido para toda a vida.

“O objetivo é não só controlar as crises, mas evitar que elas apareçam”, ressalta Antonio Geraldo.

Fonte: http://odia.ig.com.br (Jornal O Dia - RJ - Nov/12)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O lado bom das coisas ruins

Depressão, timidez, pessimismo... Tudo isso tem mais do que um lado bom: podem ser peças fundamentais para uma vida melhor e mais feliz.



A mulher mais rica do Reino Unido ganhou sua fortuna escrevendo um livro juvenil durante uma crise de depressão, enquanto sustentava sua filha com ajuda do governo. Tinha acabado de perder o emprego e de se divorciar. O maior filósofo do século 20 não passou no vestibulinho do colegial e sofreu bullying na escola por escrever errado, ter péssima memória e não fazer amizades - não se interessava em conviver com pessoas. Humanos também não eram os seres prediletos do mais conhecido intérprete de J. S. Bach, que não tocava para plateias nem deixava que pessoas encostassem nele. E o inventor da lâmpada era tão avoado que foi expulso da escola aos 8 anos e precisou estudar em casa.

J. K. Rowling, Ludwig Wittgenstein, Glenn Gould e Thomas Edison. Essas pessoas atingiram o sucesso não apesar de suas falhas, mas por causa delas. Certos padrões de personalidade e de ânimo considerados até mesmo transtornos mentais foram selecionados ao longo da evolução. Talvez essas adaptações não sejam tão vantajosas hoje quanto na época em que vivíamos fugindo de predadores, lutando com rivais e caçando presas. Mas tais peculiaridades preenchem os buracos criados pela normalidade da maioria das pessoas.

Desatentos conseguem captar ao mesmo tempo vários estímulos do ambiente e, com isso, fazer associações inesperadas, criativas. Outras pessoas não conseguem se interessar pelo que há à sua volta, mas exatamente por isso concentram-se dias a fio num só raciocínio e chegam a conclusões geniais. A ansiedade nos protege de pagar para ver uma ameaça, e a tristeza e o  pessimismo nos fazem desistir de ilusões.

Portanto, se você tem amigos esquisitos, sinta-se sortudo. Você se acha meio diferente? Saiba nas próximas páginas por que isso pode ser bom.



Do ponto de vista clínico, não há nada de bom na depressão. Ela aprisiona no sofrimento pessoas que, paralisadas, não conseguem tomar atitudes que melhorariam sua vida. Isolam-se socialmente e tendem a remoer um problema. Às vezes, até a morte. Mas não. Até ela tem seu lado positivo. Para começar a entender qual é esse lado, temos que responder a uma pergunta: por quê, afinal, a depressão existe? Uma hipótese é a de que, conforme a civilização se desenvolveu, o homem alterou seu ambiente numa velocidade maior do que sua capacidade de adaptar-se a ele. Evoluímos para viver em grupos de 50 a 70 membros seguindo o ciclo do Sol, com a preocupação de obter alimento e procriar. Agora as coisas mudaram um pouco: temos de nos preocupar com contas, imagem, carreira... E muitos planos acabam frustrados - talvez mais do que a cabeça foi feita para aguentar. Pior: temos hábitos sedentários e, graças à luz artificial, fazemos nosso corpo funcionar no tempo do relógio, e não no do Sol. Tudo isso explicaria por que a prevalência da depressão tem aumentado. "É o mesmo que ocorre com nosso sistema cardiovascular, que não evoluiu para dar conta de alimentos gordurosos e pouco exercício", afirma Paul Gilbert, da Universidade de Derby, no Reino Unido.

Mas não é só isso. Outra corrente defende que a depressão existe porque foi talhada pela seleção natural, ou seja: porque oferece vantagens a seus portadores. Segundo o médico Randolph Nesse, da Universidade de Michigan, ela teria a mesma função da dor: garantir nossa sobrevivência diante de um risco. Quando um tecido está prestes a ser lesionado durante alguma atividade física, nossos neurônios transmitem um estímulo que nos impede de seguir além de nossos limites. A depressão funciona da mesma forma - mas, em vez de impedir fisicamente que você assuma um risco, ela atua no ânimo. A euforia e a depressão serviriam para regular nossas ações na busca por um objetivo. Um dos primeiros cientistas a pensar isso como uma adaptação foi o psicólogo americano Eric Klinger. Num artigo de 1975, ele analisou como o humor melhora conforme o progresso na busca de um objetivo. Isso motiva a pessoa a continuar a se esforçar e assumir riscos cada vez maiores. Quando esses esforços começam a falhar, uma piora no ânimo a faz voltar atrás, preservar suas reservas e reconsiderar opções. Essa piora, essa depressão leve, abre espaço para a introspecção e o autoexame necessários para tomar decisões difíceis, como desistir de objetivos inalcançáveis e buscar novas metas. Foi justamente o que observaram pesquisadores da Univerdidade da Colúmbia Britânica, no Canadá. Por 19 meses, eles acompanharam 97 adolescentes, analisando sua capacidade de deixar de lado objetivos muito difíceis (ou inalcançáveis), como virar um músico famoso, e abraçar outras metas, como dar duro para entrar numa boa faculdade. Enquanto isso, os pesquisadores também observaram sintomas de depressão nos voluntários. Conclusão: as pessoas com sintomas de depressão leve conseguiam abrir mão com mais facilidade de objetivos irrealistas. Elas davam menos murro em ponta de faca. E tendiam a sair da adolescência menos machucados, mais felizes, do que os esmurradores de lâminas. 


Você está perdido no meio do nada. E ouve um ruído longínquo de animal. O bicho pode ser um tatu ou uma onça. Se você ficar apavorado e sair correndo até um lugar seguro antes que uma possível onça se aproxime, vai ter gasto 200 calorias em 10 minutos. Se não correr e depois for surpreendido por um leão, perderá seu corpinho inteiro - isto é, 200 mil calorias. Por esse raciocínio frio e puramente matemático, valeria a pena ter um ataque de pânico se a probabilidade de o ruído ser de um leão for maior que 1 em 1 000, conclui Randolph Nesse em sua empreitada em busca das causas evolutivas de transtornos mentais. Isso justifica por que é bom sentir medo mesmo quando a ameaça é pequena. Eansiedade é isto: medo de algo que não é necessariamente real. Mais: tal como o amor, ela é uma emoção. E uma emoção é um padrão de resposta diante de situações que podem trazer riscos ou oportunidades. A paixão ajuda a cortejar um parceiro, a raiva nos afasta de alguém quando desconfiamos que fomos traídos, e a ansiedade nos faz fugir ou lutar quando sentimos ameaçados. E isso acontece sem que pensemos. Quando bate a ansiedade, o fígado começa a liberar glicose, a frequência cardíaca aumenta, menos sangue circula pela pele e mais vai para os músculos. Assim, o corpo fica preparado para reagir - a animais, à altura, a trovões, à escuridão ou ao escrutínio público. E também a coisas mais sutis, como um trabalho insuportável ou um relacionamento falido. Ou seja: a ansiedade também pode funcionar como um alarme para que você mude de vida quando necessário. Um alarme que não temos como fingir não escutar.


Para começar, precisamos de pessimistas por perto. Como diz o psicólogo americano Martin Seligman: "Os visionários, os planejadores, os desenvolvedores, todos eles precisam sonhar com coisas que ainda não existem, explorar fronteiras. Mas, se todas as pessoas forem otimistas, será um desastre", afirma. Qualquer empresa precisa de figuras que joguem a dura realidade sobre os otimistas: tesoureiros, vice-presidentes financeiros, engenheiros de segurança...

Esse realismo é coisa pequena se comparado com o pessimismo do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860). Para ele, o otimismo é a causa de todo sofrimento existencial. Somos movidos pela vontade - um sentimento que nos leva a agir, assumir riscos e conquistar objetivos. Mas essa vontade é apenas uma parte de um ciclo inescapável de desilusões: dela vamos ao sucesso, então à frustração - e a uma nova vontade.

Mas qual é o remédio, então? Se livrar das vontades e passar o resto da vida na cama sem produzir mais nada? Claro que não. A filosofia do alemão não foi produzida para ser levada ao pé da letra. Mas essa visão seca joga luz no outro lado da moeda do pessimismo: o excesso de otimismo - propagandeado nas últimas décadas por toneladas de livros de autoajuda. O segredo por trás do otimismo exacerbado, do pensamento positivo desvairado, não tem nada de glorioso: ele é uma fonte de ansiedade. É o que concluíram os psicólogos John Lee e Joane Wood, da Universidade de Waterloo, no Canadá. Um estudo deles mostrou que pacientes com autoestima baixa tendem a piorar mais ainda quando são obrigados a pensar positivamente.

Na prática: é como se, ao repetir para si mesmo que você vai conseguir uma promoção no trabalho, por exemplo, isso só servisse para lembrar o quanto você está distante disso. A conclusão dos pesquisadores é que o melhor caminho é entender as razões do seu pessimismo e aí sim tomar providências. E que o pior é enterrar os pensamentos negativos sob uma camada de otimismo artificial. O filósofo britânico Roger Scruton vai além disso. Para ele, há algo pior do que o otimismo puro e simples: o "otimismo inescrupuloso". Aquelas utopias que levam populações inteiras a aceitar falácias e resistir à razão. O maior exemplo disso foi a ascensão do nazismo - um regime terrível, mas essencialmente otimista, tanto que deu origem à Segunda Guerra com a certeza inabalável da vitória. E qual a resposta de Scruton para esse otimismo inescrupuloso? O pessimismo, que, segundo ele, cria leis preparadas para os piores cenários. O melhor jeito de evitar o pior, enfim, é antever o pior.


Escolas valorizam trabalho em grupo. Processos seletivos jogam candidatos em dinâmicas para identificar líderes natos. Empresas colocam seus funcionários em amplos escritórios sem divisórias e colhem ideias em brainstorms com uma dezena de pessoas - vale tudo, menos ter vergonha de falar besteira. Vivemos no mundo dos extrovertidos. Mas há pesquisadores que veem essa valorização do trabalho coletivo e da extroversão como um tiro no pé. "O mundo está desperdiçando o talento das pessoas tímidas", defende Susan Cain em seu livro Quiet (Quieto, sem versão brasileira), que compila estudos sobre o assunto.

Mas como a timidez pode ser positiva, afinal? Para responder a isso, precisamos esclarecer uma coisa - ser introvertido não significa ser fechado ao exterior. Muito pelo contrário. É ser sensível demais a ele. É o que tem demonstrado desde a década de 1960 o psicólogo Jerome Kagan. Em seu estudo mais importante, ele juntou 500 bebês de 4 meses em seu laboratório em Harvard para observar como reagiam quando estimulados com sons, imagens coloridas em movimento e cheiros. Então separou o grupo dos que reagiam muito - 20% deles - e o dos que reagiam pouco - 40%. Suas pesquisas anteriores lhe permitiram predizer o contrário do que a intuição sugere: os muito reativos se tornariam os futuros introvertidos. Aos 2, 4, 7 e 11 anos de idade, essas crianças voltaram ao laboratório de Kagan. As que haviam sido classificadas como muito reativas desenvolveram personalidades sérias, cuidadosas, enquanto as pouco reativas se tornaram mais relaxadas e autoconfiantes - a futura turma do fundão. Isso porque a amídala (estrutura do sistema límbico, responsável por reações instintivas, como apetite, libido e medo) é mais facilmente estimulada em crianças muito reativas. Ou seja, são mais alertas, mais sensíveis a estímulos novos. Suas pupilas se dilatam mais, suas cordas vocais ficam mais tensas, sua saliva tem mais cortisol - um hormônio do estresse - e seu batimento cardíaco se acelera mais. Um pouco de novidade já implica em vontade de se proteger. O lado negativo é que são mais vulneráveis à depressão e à ansiedade. Mas, ao mesmo tempo, podem ser mais empáticas, cuidadosas e cooperativas, desde que se sintam em sua zona de conforto. "Crianças muito reativas podem ter maior probabilidade para se tornar artistas, escritores, cientistas e pensadores, pois sua aversão a estímulos novos as faz passar mais tempo no ambiente familiar - e intelectualmente fértil - de sua própria cabeça", diz Cain. Um introvertido concentra a mente numa só atividade, em vez de dissipar energia em assuntos não relacionados ao trabalho - estudos do programador americano Tom DeMarco com 600 colegas mostram que o que define a produtividade no setor de TI não é o salário nem a experiência, mas o quão isolado é o ambiente de trabalho. A solidão também permite focar-se nas próprias falhas e treinar até chegar à perfeição. É esse tipo de prática que cria grandes atletas e virtuoses musicais.


Ludwig Wittgeinstein, gênio da filosofia, começou a falar só aos 4 anos. Estudou com tutores particulares em sua casa, em Viena, até os 14 anos. Sem conseguir passar no vestibulinho do colegial, foi parar em 1903 na escola técnica de Linz (a mesma de Adolf Hitler, de quem não foi colega, pois o futuro ditador estava dois anos atrasado nos estudos). Mas ele simplesmente não se interessava pelos colegas. A solidão e a dislexia fizeram dele um perfeito alvo de bullying. "Nunca consegui expressar metade do que queria. Na verdade, não mais que um décimo", contou em suas memórias. 

Assim foi o jovem Wittgenstein. Mas sua excentricidade e o fato de ter revolucionado a filosofia no século 20 não são uma contradição, segundo o professor Michael Fitzgerald, do Trinity College, em Dublin. O psiquiatra vê em sua biografia sintomas que caracterizam a síndrome de Asperger - um tipo deautismo que, aliado a um intelecto avantajado, pode ser a base da genialidade.

Todo autista se foca obsessivamente em interesses muito específicos, tem comportamentos repetitivos e não se interessa em interagir com outras pessoas. Mas, enquanto a imagem mais comum é a da criança ensimesmada balançando para a frente e para trás, o espectro do autismo vai desde o atraso mental até o desenvolvimento linguístico e cognitivo completo - caso da síndrome de Asperger. Quem tem essa síndrome não se interessa em dividir experiências e emoções, tem padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento e de interesses e não abre mão de sua rotina. Isso torna o convívio difícil - mas pode ter um efeito colateral inesperado. 

"Muitas características da síndrome de Asperger aumentam a criatividade", escreve Fitzgerald em Autism and Creativity (Autismo e Criatividade). "Pessoas assim têm uma capacidade extraordinária para focar-se em um tópico por um longo período - dias, sem interrupção nem mesmo para as refeições. Não desistem diante de obstáculos." E não é apenas a concentração. A forma como entendem o mundo é diferente. Quando veem uma coisa, apreendem o detalhe para então sistematizar como funciona o geral - enquanto a maioria das pessoas apreende o geral para depois se afunilar em detalhes. Isso é um enorme ponto positivo para engenheiros, físicos, matemáticos, músicos.

Não que não haja um lado negativo. Portadores da síndrome de Asperger também têm dificuldade em aceitar e adotar regras sociais. Por isso, muitas vezes parecem ter personalidade infantil. Quando entrou para a faculdade de engenharia, Wittgenstein se fascinou pela obra Os Princípios da Matemática, de Bertrand Russell. Em 1911, mudou-se para a Universidade de Cambridge para estudar com Russell. Nos primeiros dias, chegava à sala do mestre à noite e seguia até a manhãzinha desdobrando suas ideias como que em um monólogo. Em 1926, quando terminou a defesa oral de sua tese de doutorado, deu um tapinha nos ombros dos examinadores. "Não se preocupem. Eu sei que vocês nunca conseguirão entender", disse. Wittgenstein começou então a dar aulas. Em seus seminários, era como se não houvesse uma audiência. Lutava com seus pensamentos e volta e meia caía em silêncios que nenhum estudante ousava interromper. Qualquer comentário que considerasse estúpido era retrucado brutalmente.

Para escrever Investigações Filosóficas, sua maior obra, ficou isolado numa cabana na Irlanda. Certa vez, o caseiro, que o havia visto conversando, perguntou-lhe se tivera uma boa companhia. A resposta foi: "Sim, falei muito com um ótimo amigo - eu mesmo". Numa carta a Bertrand Russell, escreveu: "Estar sozinho me faz um bem infinito, e não acho que agora poderia suportar a vida entre pessoas". O único grande prazer social do filósofo era discutir seus interesses - lógica, linguística e música. O mundo real pouco lhe importava.


O gene da engenharia

Todo engenheiro é um pouco autista. Essa é a conclusão, polêmica, do psiquiatra Simon Baron-Cohen, de Cambridge. Simon buscava identificar se estudantes com sintomas da síndrome de Asperger tinham predisposição a escolher alguma área específica de conhecimento. Fez um levantamento com graduandos de Cambridge e viu que alunos de exatas eram os mais propensos a ter os sintomas. O estudo fez barulho suficiente para que os pais de alunos de Eindhoven, na Holanda, entrassem em contato com ele depois de identificarem uma epidemia de autismo na cidade, conhecida pela concentração de empresas tecnológicas. Baron-Cohen comparou Eindhoven com Haarlem e Utrecht - que têm número semelhante de habitantes - e levantou a porcentagem de pessoas empregadas em tecnologia: 30, 16 e 17%, respectivamente. Depois, pesquisou a prevalência de autismo diagnosticado nas cidades: 229 por 10 mil crianças em Eindhoven, contra 84 e 57 nas outras. Para Baron-Cohen, isso é indício de que regiões onde pais têm empregos relacionados à "sistematização", como o da tecnologia da informação, terão uma taxa de autismo maior em suas crianças. É um resultado polêmico: indica que as pessoas naturalmente mais aptas para as ciências exatas carregam mais genes ligados ao autismo do que a média da população. E mais: é uma evidência de que essa aptidão seja, por si só, uma forma leve de autismo.

Einstein, o autista

O psiquiatra Michael Fitzgerald identificou traços da síndrome de Asperguer, uma forma moderada de autismo, em 42 personalidades históricas. Conheça algumas delas.

ALBERT EINSTEIN
"Meu senso de justiça e de responsabilidade social sempre se contrastou com minha falta de necessidade de contato direto com outras pessoas ou comunidades. Sou de fato um viajante solitário e nunca pertenci a meu país, à minha casa, aos meus amigos ou mesmo à minha família", escreveu o físico nos ensaios Como Vejo o Mundo.

GLENN GOULD
Um dos maiores pianistas do século 20 não deixava ninguém tocá-lo e, quando mais velho, só se comunicava com o resto do mundo por telefone ou por cartas. Aos 32 anos parou de tocar em público e se fechou no estúdio. Afinal, para ele tocar música era um ato tão íntimo que não dava para conciliá-lo com a audiência.

LEWIS CARROLL
O escritor americano Mark Twain chegou a dizer que Carroll, matemático autor de Alice no País das Maravilhas, era interessante "somente para olhar." Era o homem "mais estiloso e mais tímido" que já tinha visto. Não dava autógrafos nem deixava ser retratado - mesmo sendo ele mesmo um fotógrafo amador. "Minha aparência e minha escrita pertencem somente a mim", escreveu em uma carta.



FRACASSO

Quando destruímos um relacionamento, somos demitidos ou vivemos qualquer outra grande frustração nessa linha, não tem muito jeito: sentimos não só que um plano deu errado, mas que falhamos como pessoa.

Nossa mente, porém, evoluiu com uma defesa contra isso: ela ignora o que não quer saber. Uma área do cérebro chamada córtex cingulado anterior é ativada quando percebemos que alguma coisa deu errado. É como se fosse o mecanismo do "putz!". Com ele, excitamos mais uma região - o córtex pré-frontral dorso-lateral. Ele é o "censor" da mente, responsável por apagar determinado pensamento.

Esse mecanismo duplo - primeiro o "putz" e depois o "esquece" - permite editar nossa consciência conforme nossa vontade. Assim, conseguimos deixar para trás nossos fracassos.

Isso também acontece com cientistas. No início da década de 1990, Kevin Dunbar começou a observar os laboratórios de bioquímica da Universidade de Stanford. Descobriu que a metade dos dados obtidos nas pesquisas não batia com o que suas respectivas teorias previam. Os resultados às vezes simplesmente não faziam sentido. A reação então era típica: primeiro, os pesquisadores procuravam um bode espiatório - alguma enzima ou máquina devia não ter funcionado direito. Então repetia-se o experimento. Quando o resultado inesperado acontecia de novo, o experimento inteiro era considerado um fracasso e acabava arquivado. O que os pesquisadores não percebiam é que o mecanismo "putz, esquece" de sua mente os cegava. Dunbar então observou grupos de estudo com pesquisadores de diferentes áreas - biólogos, químicos e médicos. O fato de ter pessoas com um olhar de fora fez com que os bioquímicos, em vez de jogar fora o experimento, abrissem os olhos e repensassem suas teorias. Assim puderam reavaliar suas convicções e muitas vezes encontrar o caminho que funcionava. Moral da história: entender o porquê de um fracasso pode ser o melhor atalho para o sucesso.

É mais ou menos o que aconteceu com a britânica Joanne Rowling. Quando era adolescente, tudo o que seus pais esperavam dela era que não fosse pobre como eles. E tudo o que ela queria era ser escritora. Para arranjar um meio-termo entre seu desejo e o dos pais, fez faculdade de letras. Terminados os estudos, sua vida virou uma sucessão de fracassos. Tentou agradar os pais trabalhando num escritório, mas não suportava a chatice do dia a dia. Quando a mãe morreu, mudou-se para Portugal para dar aula de inglês. Em 3 anos, casou-se, teve uma filha e se divorciou. Desempregada e descasada, mudou-se para a Escócia, onde, deprimida, foi viver da ajuda financeira do Estado. Quando Joanne estava no ponto mais fundo de seu fracasso, começou a escrever um livro. Levou um "não" de 8 editoras - até conseguir uma que publicasse seu Harry Potter e a Pedra Filosofal. Adotou o nome artístico de J. K. Rowling e, em 3 anos, se tornaria a mulher mais rica do Reino Unido. E, para ela, o ingrediente de seu sucesso foi o fracasso. "O fracasso significa eliminar tudo o que não for essencial. Parei de fazer de conta para mim mesma que era uma pessoa diferente e comecei a direcionar toda minha energia em terminar o único trabalho que importava para mim", disse a uma plateia de graduandos de Harvard durante uma conferência do TED (instituição que organiza conferências sobre novas ideias). E arrematou: "Me senti liberta, porque meu maior medo já tinha acontecido. E ainda assim eu continuava viva".

DÉFICIT DE ATENÇÃO

De 3 a 5% das crianças em idade escolar são daquelas distraídas e agitadas, que perdem tudo, não conseguem fazer a lição, não esperam sua vez e agem sem pensar. Têm o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Quando crescem, os sintomas diminuem, mas os problemas, não. Podem até piorar - afinal, as responsabilidades são outras. O que se esquece não é mais a lição de casa, mas prazos e reuniões. Trabalhos são abandonados pela metade, ordens são ignoradas. A impulsividade pode custar o emprego ou o relacionamento. Por que isso é tão comum? A resposta é semelhante à daansiedade e da depressão - essa característica já foi uma vantagem adaptativa, até que a cultura e o ambiente mudaram. Em sociedades nômades, quem tem foco de atenção disperso é capaz de cuidar melhor de seu gado, explorar áreas desconhecidas e ficar alerta para ameaças. Dan Eisenberg, da Northwestern University, EUA, observou em tribos africanas nômades e sedentárias. Entre os nômades, os que tinham o alelo 7R (ligado ao TDAH) eram mais bem nutridos do que os sem. Já nas sedentárias, acontecia o contrário. Em outras palavras, conforme o homem se estabeleceu num só lugar e começou a viver de atividades que exigem mais foco, a atenção dispersa virou desvantagem. Mas não tanto. Os mesmos genes que hoje estão associados ao risco são responsáveis por revoluções nas artes, ciência e exploração, acredita o psiquiatra Michael Fitzgerald, do Trinity College. Michael, que já tinha procurado traços de autismo na biografia de personalidades, não demorou para fazer o mesmo com o TDAH. Segundo ele, sintomas de déficit de atenção estão presentes em Thomas Edison, Oscar Wilde, Kurt Cobain (que foi diagnosticado quando criança) e até em Che Guevara. Quem tem a cabeça na Lua pode encontrar lá em cima coisas que pessoas com o pé no chão não veem.

Superávit de criatividade

Quem tem TDAH é ótimo em brainstorms, pois não se sente inibido para dar ideias aparentemente estranhas. As psicólogas americanas Holly White e Priti Shah testaram um grupo de 90 universitários divididos entre os com e os sem TDAH. Elas pediram para que cada grupo propusesse usos para um tijolo e para um balde em 2 minutos. Resultado: os desatentos se deram melhor no número de usos, na diversidade dele e, principalmente, na originalidade. Entre as soluções do grupo com TDAH estavam usar o tijolo para escrever em superfícies como concreto ou o balde como guitarra - se você adicionar cordas e um pau ali. Só faltava verificar isso no mundo real. As pesquisadoras, então, fizeram isso num segundo estudo, de 2011. Deram a 60 universitários um questionário sobre quais seus êxitos em 10 áreas criativas: artes cênicas, humor, música... Os desatentos tiveram níveis mais altos em todas as categorias.

Fonte: Revista Superinteressante 2012

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

É hora de procurar ajuda?

Grande parte das pessoas enfrenta, em algum momento da vida, transtornos de saúde mental que podem ser tratados; é o caso da depressão e do estresse, mas a falta de informação e o preconceito ainda fazem com que adultos e crianças sofram sozinhos em vez de procurar um profissional qualificado.

Robert Epstein

Vinte e três milhões. Este é o número de brasileiros que necessitam de acompanhamento na área da saúde mental. Desse total, pelo menos 5 milhões sofrem com transtornos graves e persistentes, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesse universo encontram-se crianças e adultos que sofrem de patologias como depressão, transtornos de ansiedade, distúrbios de atenção e hiperatividade e dependência de álcool e drogas. Aproximadamente 80% das pessoas que sofrem com esses transtornos não recebem nenhum tipo de tratamento. Mas a situação não é prerrogativa do Brasil. Ainda de acordo com a OMS, um em cada quatro americanos passa por um transtorno psiquiátrico diagnosticável em algum momento da vida. Exageros à parte, no decorrer de nossa existência muitas vezes nos perguntamos se somos mentalmente saudáveis e se não estaria na hora de buscar ajuda profissional. A preocupação faz sentido: de fato, quase metade da população do planeta apresenta algum tipo de transtorno durante a vida. Infelizmente, porém, em cerca de dois terços dos casos os problemas comportamentais e emocionais jamais são diagnosticados e acompanhados, embora muitos deles possam ser tratados de maneira eficaz. Mais de 80% das pessoas com depressão grave, por exemplo, são capazes de se beneficiar significativamente da combinação de medicação e terapia. 


O preconceito, porém, ainda é um empecilho para a busca de auxílio especializado. Não raro, ouve-se até mesmo de pessoas razoavelmente bem informadas que “psicoterapia é coisa para louco”. A postura defensiva pode se mostrar de várias maneiras, como pela desqualificação dos profissionais ou de si próprio. Para muitos prevalece, por exemplo, a ameaça de que “o psicoterapeuta saberá mais sobre mim do que eu mesmo; descobrirá segredos dos quais nem suspeito”. Pode também surgir a fantasia onipotente de que “ninguém pode me ajudar”. Ou ainda o pensamento persecutório referenciado na opinião alheia: “O que os outros vão pensar se souberem que vou a um psicólogo?”. Qualquer que seja a forma como se apresente, a resistência não aparece por acaso: em geral, é inerente à própria patologia e tem a ver com o funcionamento psíquico da pessoa. E, infelizmente, às vezes persiste por muito tempo, até que o paciente decida buscar ajuda.


O QUE É NORMAL? 

Quando trabalhei como editor-chefe da Psychology Today, com frequência os leitores me pediam que sugerisse testes de triagem para pessoas com problemas de saúde mental. Procurei por esse material no intuito de ajudar homens e mulheres a encontrar respostas às perguntas como “Será que este meu sentimento de desânimo é normal?”, “Por que eu grito com a minha mulher e meus filhos o tempo todo, mesmo não querendo fazer isso?”, “Será que perdi o controle da bebida?”. Encontrei milhares de testes “caseiros” na internet, mas nenhum havia sido validado cientificamente. Pior ainda, muitos serviam como veículos de marketing para vídeos, livros ou serviços, encaminhando o leitor que respondesse às questões direto para um setor de vendas. Não parecia existir nenhum teste amplo, confiável, favorável ao consumidor, que ajudasse alguém a refletir melhor sobre si mesmo.


Assim, desenvolvi o teste Triagem Epstein em Saúde Mental (Epstein Mental Health Inventory) (EMHI), baseado na quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV), compêndio no qual médicos americanos se baseiam para fazer diagnósticos. O teste cobre 18 problemas psiquiátricos comuns nos Estados Unidos, como depressão maior, fobias, transtorno bipolar e abuso de substâncias, que selecionei usando dados preponderantes do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) dos Estados Unidos, entre outras fontes. Para cada distúrbio são considerados três critérios do DSM-IV, que reescrevi em linguagem para leigos.

A ferramenta, porém, não tem o papel de diagnosticar ninguém. Seu objetivo é alertar para possíveis riscos de um transtorno, estimulando a busca por ajuda psicológica. O mais importante é ajudar as pessoas a se sentir e viver melhor, pois minha experiência tem mostrado que qualquer meio legítimo de levá-las a consultar um psicoterapeuta é válido. No ano passado, Laura Muzzatti, aluna da Universidade da Califórnia em San Diego, e eu apresentamos uma avaliação da EMHI usando uma amostragem de 3.403 pessoas que fizeram o teste depois de ele ter sido colocado na internet, em 2007. Verificamos que os resultados previram sete fatores importantes relacionados à saúde mental. A avaliação incluía o grau de felicidade declarado; o quanto se sentiam ativamente responsáveis por seu sucesso pessoal e profissional; se estavam empregados; se fizeram terapia em alguma ocasião, se alguma vez já haviam sido hospitalizados por problemas comportamentais ou emocionais e se, na época do teste, estavam em terapia. A pontuação não diferia de acordo com etnia, mas variava segundo o gênero: a pontuação das mulheres foi 17% mais elevada que a dos homens, parecendo apresentar mais problemas de saúde mental, um resultado consistente com os de outros estudos. Ou, pelo menos, foram mais sinceras e analíticas ao responder o questionário.
Em busca de um diagnóstico

Muitas pessoas chegam aos consultórios de psicologia e psicanálise ansiosas para encontrar um nome que abarque aquilo que sentem, uma palavra que encerre a dor, a angústia e, às vezes, a culpa ou as dúvidas que as afligem. Isso, porém, nem sempre é fácil, e de pouco adianta se o paciente não puder compreender o que se passa com ele e se responsabilizar pelo próprio tratamento, atribuindo sentidos a sua patologia. A atração que os testes exercem sobre muitos leigos (haja vista quantos questionários são respondidos nas revistas e na internet) pode ser explicada pelo desejo de quantificar e medir características pessoais e comportamentos. E em alguns casos eles têm sua função. Mas ainda que tenham validação científica e possam ser usados para ajudar a entender o quadro clínico, os testes não são definitivos, seja para medir inteligência, seja para determinar a presença de um transtorno mental. Sem dúvida, em algumas abordagens (e em determinados casos) eles são úteis na tarefa de oferecer informações que favoreçam a compreensão da situação clínica de forma mais ampla. Mas não sempre – e raramente de maneira perene. Há ocasiões em que as palavras impressas em um prontuário ou ditas por um profissional acerca de determinado quadro psíquico podem soar como uma espécie de sentença, promovendo a desastrosa rotulação do paciente. No Brasil, muitos psicólogos evitam recorrer a essa ferramenta, pelo menos no primeiro momento. Em vez de apostar em um diagnóstico único, pleno e “definitivo”, acreditam que, em muitos casos, mais importante que reduzir a situação a um único termo é ouvir o paciente, entender sua lógica e seus sintomas. Afinal, é na possibilidade de elaboração, ampliação do espaço psíquico e transformação que se embasa o ofício do psicoterapeuta. (Da redação)



Teste – Sentir, pensar e agir

Para conhecer o teste completo basta acessar o site http://DoYouNeedTherapy.com. A seguir, a versão abreviada que abrange dez transtornos. Para fazê-lo, marque todas as afirmações que se aplicam a você:

1- TRANSTORNOS DO CONTROLE DE IMPULSOS

(a) Às vezes não sou capaz de controlar a minha raiva
(b) Frequentemente ajo por impulso, o que, às vezes, traz
grandes problemas 
(c) Estou preocupado com as apostas, parece que tenho dificuldades em controlar meu comportamento quanto ao jogo


2- ABUSO DE SUBSTÂNCIAS

(a) Durante o ano passado, tive de ingerir mais bebidas alcoólicas ou usar mais drogas para satisfazer 
minhas necessidades
(b) No ano passado tentei, mas não consegui, diminuir a quantidade de bebidas alcoólicas, de drogas ou de cigarros
(c) Durante o ano passado tive de ingerir quantidades cada vez maiores de bebidas alcoólicas ou drogas para me satisfazer ou lidar com meus problemas

3- DEPRESSÃO MAIOR

(a) Nas últimas duas semanas venho tendo dificuldade em sentir qualquer prazer nas atividades diárias de que costumava gostar
(b) Há cerca de 15 dias venho pensando com frequência que quero morrer
(c) Pelo menos durante as duas últimas semanas, venho me sentindo deprimido quase todos os dias


4- FOBIAS ESPECÍFICAS

(a) Tenho medo excessivo ou irracional de algum objeto ou situação 
(b) Estou com muito medo de algo, e meu medo interfere em minha capacidade de desenvolver o meu trabalho ou em conduzir a minha vida de maneira normal
(c) Tenho muito medo de um objeto ou uma situação, e quando me exponho a esse estímulo entro em pânico 


5- FOBIAS SOCIAIS 

(a) Sinto medo de ficar perto de outras pessoas em determinadas situações e percebo que meus medos podem ser irracionais ou excessivos
(b) Em determinadas situações sociais, sinto extrema ansiedade 
(c) Sinto grande temor em uma ou mais situações em que eu precise interagir com outras pessoas 


6- TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO

(a) Costumo comer muito e, em seguida, vomitar ou usar laxantes, ou outros meios radicais, para evitar ganho de peso
(b) Estou preocupado com meu peso ou com a forma do meu corpo e, consequentemente, como ou me exercito de uma forma que algumas pessoas poderiam considerar incomum
(c) Não estou disposto ou não sou capaz de comer ou digerir o alimento em quantidade suficiente para manter o peso saudável

7- TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

(a) Tenho lembranças perturbadoras relacionadas a um acontecimento traumático que experimentei no passado
(b) Costumo ter sonhos perturbadores sobre uma experiência terrível ocorrida no passado
(c) Às vezes me vejo revivendo o horror de um fato traumático que experimentei no passado 


8- TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA 

(a) Pelo menos durante os últimos seis meses, venho sentindo preocupação e nervosismo excessivos, difíceis de controlar
(b) No mínimo nos últimos seis meses, tenho ficado extremamente ansioso e preocupado com uma série de acontecimentos e atividades diferentes
(c) Pelo menos durante os últimos seis meses, venho me sentindo excepcionalmente agitado, cansado, irritado, tenso ou distraído 


9- TRANSTORNO BIPOLAR 

(a) Durante o ano passado tive variações súbitas de humor, sem qualquer razão aparente
(b) Meu humor muda rapidamente, de depressivo a esfuziante, sem qualquer motivo aparente
(c) Durante o ano passado o meu humor mudou mais de uma vez de deprimido para esfuziante

10- TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO 

(a) Repito excessivamente certos comportamentos ou pensamentos, sem conseguir parar 
(b) Pensamentos frequentes me causam grande ansiedade 
(c) Acredito que esses pensamentos possam ser irracionais ou exagerados. Faço ou penso repetidamente

PONTUAÇÃO 

Se você deixou todos os itens em branco, parabéns! É provável que a sua saúde mental esteja muito bem. Caso contrário, lembre-se de que esta não é a versão completa do teste e, ainda que fosse, sua aplicação não tem peso diagnóstico. Mas os resultados podem ajudá-lo a pensar como tem se sentido e lidado com os problemas. Se marcou um item em uma ou mais categorias, é possível que esteja passando por situação de angústia que poderia ser mais bem compreendida (ou contornada) com a ajuda de um profissional. Se assinalou dois ou três itens em uma ou mais categorias, talvez seja mesmo uma boa hora para consultar um psicólogo e evitar sofrer sem necessidade, já que a maioria dos problemas de saúde mental podem ser tratados. Mais importante que o resultado do teste, entretanto, é voltar-se para si e perguntar-se se não seria o momento de cuidar de si mesmo. Afinal, quando temos uma dor de dente, por exemplo, não hesitamos em buscar um dentista. Se a dor é na alma, o psicoterapeuta é o profissional mais indicado para cuidar desse desconforto.

Fonte: Revista Mente e Cérebro.

Excesso de “birra” sugere transtorno psíquico



Alterações comportamentais podem ser úteis no diagnóstico de depressão e outros distúrbios

Ataques de raiva freqüentes e intensos em crianças de 3 a 6 anos podem ser sinal de distúrbios psíquicos, aponta estudo da Universidade de Washington publicado no Journal of Pediatrics.

Participaram da pesquisa 270 crianças que foram acompanhadas por três anos; metade delas tinha diagnóstico de depressão ou psicose infantil, o restante era saudável. Embora esse tipo de ataque seja comum nessa faixa etária, certas características apareceram com mais freqüência no primeiro grupo. 

Os pesquisadores observaram crises mais agressivas nas crianças com transtornos psíquicos, sendo a violência muitas vezes dirigida intencionalmente contra elas próprias. A duração foi maior nesses indivíduos, ao passo que no grupo saudável os ataques duraram pouco mais de dez minutos. “Reconhecer essas alterações comportamentais pode ser muito útil nos diagnósticos da depressão e outros distúrbios psiquiátricos nessa faixa etária, em que as crianças não conseguem descrever seus sentimentos”, afirmam os autores.


Fonte: revista Mente e Cérebro.

domingo, 25 de novembro de 2012

Como nasce o mal

Contrariando estudos clássicos, pesquisa mostra que pessoas que cometem atos cruéis a mando de autoridades não o fazem por obediência cega, mas por acreditarem estar fazendo a coisa certa.

Grande parte da compreensão sobre como pessoas normais se comportam em ditaduras vem de estudos realizados nos anos 1960 e 1970. A Segunda Guerra Mundial ainda estava viva na lembrança e cientistas de todo o mundo tentavam explicar os horrores vistos na Alemanha nazista, onde cidadãos comuns — até mesmo exemplares — cometeram atos de extrema crueldade a mando do governo. Pesquisas clássicas lideradas pelos psicólogos americanos Stanley Milgram e Philip Zimbardo mostraram que o mais pacato dos seres humanos poderia cometer atos terríveis se assim lhe fosse ordenado pelas autoridades, pois teríamos uma tendência inata à obediência e à submissão.


Um novo artigo publicado na edição desta semana da revista PLOS Biologyrevisita as conclusões desses estudos e afirma que as pessoas que agiram daquela maneira não eram apenas motivadas pela obediência cega, mas também demonstravam entusiasmo ao realizar atrocidades. Pessoas capazes de cometer atos cruéis não são penas receptoras passivas de ordens; elas também se identificam com autoridades abusivas, e acreditam estar fazendo a coisa certa mesmo quando são violentas.

Essa discussão começou no início da década de 1960, logo após o julgamento de Adolf Eichmann, um burocrata nazista que ajudou a elaborar os planos de extermínio de judeus. Eichmann, que conseguiu se esconder durante dez anos na Argentina, estava sendo julgado por ter ajudado a transportar milhões de pessoas para os campos de concentração. No entanto, o que espantou os pesquisadores da época é que ele parecia ser um sujeito normal, que apenas cumpria ordens de autoridades — mesmo que essas ordens implicassem no genocídio. No livro Eichmann em Jerusalém, a filósofa alemã Hannah Arendt cunhou a expressão "banalidade do mal" para explicar por que grandes crimes da humanidade não foram cometidos por monstros, mas por gente comum que aceita ordens superiores. Nos anos seguintes, a tese de origem a um grande número de pesquisas sobre o assunto.

Autoritarismo de laboratório — Em 1963, Stanley Milgram conduziu um experimento para comprovar a ideia de que pessoas comuns obedeciam de modo cego às ordens das autoridades. Pesquisador da Universidade Yale, ele convocou 40 voluntários para participar do estudo, mas avisou apenas que iriam fazer parte de um teste de memória. Todos foram designados para a posição de "professor" e instados a ajudar um segundo voluntário, que seria o "aluno", a memorizar uma série de palavras. A cada palavra errada, deveriam aplicar um choque elétrico no aluno. Os choques começavam leves, com apenas 15 volts, mas cresciam a cada resposta errada até atingir o valor de 450 volts, que pode ser mortal para um ser humano.

O que os voluntários não sabiam é que o homem respondendo às perguntas era um ator, e os choques não eram reais. Milgram não estava interessado na memória, mas em quão longe os voluntários iriam ao aplicar os choques elétricos. E eles foram longe: todos os participantes deram choques de até 300 V. Desses, 65% não pararam de aplicar os choques até atingir os 450 volts – mesmo com os atores fingindo extremo sofrimento. Segundo o psicólogo, o experimento mostra que pessoas normais estariam dispostas até a matar um completo estranho simplesmente por terem recebido a ordem de uma autoridade.

Já o estudo realizado por Philip Zimbardo na Universidade de Stanford, em 1971, buscou analisar como as pessoas estão dispostas a assumir papéis abusivos se esses lhes forem designados por autoridades. Zimbardo escolheu 24 voluntários, e os separou de modo aleatório em dois grupos: guardas ou prisioneiros. Eles foram colocados dentro de uma falsa prisão construída no Departamento de Psicologia da universidade, e os guardas instruídos a agir do modo que fosse necessário para manter o controle.

Seu objetivo era observar a interação entre os dois grupos, e ver como se comportariam sem uma autoridade por perto. Os resultados foram chocantes. Os guardas começaram a agir de modo tão abusivo e violento que o estudo precisou ser interrompido depois de apenas seis dias. Zimbardo concluiu que os voluntários assumiram um comportamento autoritário porque se adequaram de modo automático ao papel que lhes foi designado, mesmo sem receber ordens específicas para isso. Segundo o psiquiatra, a brutalidade era apenas uma consequência da representação do papel de guarda e da pressão do resto do grupo.

Tanto o estudo de Milgram quanto o de Zimbardo se tornaram referências na área. Falavam sobre a natureza humana e a submisso do homem à autoridade — e ambos deram origem a filmes, documentários e livros diversos.

Fé na autoridade — No entanto, o novo artigo escrito por Alex Haslam, psicólogo da Universidade de Queensland, na Austrália, publicado na PLOS Biology, questiona o resultado de ambos os trabalhos e nega o fato de a obediência à tirania resultar da submissão cega às regras e aos papéis estipulados. Haslam afirma que esses seguidores não são passivos, mas criativso, e suas ações brotam do fato de eles se identificarem com as autoridades e acreditarem em suas premissas. "Pessoas decentes participam de atos horríveis não porque se tornam funcionários negligentes que não sabem o que estão fazendo, mas porque eles começam a acreditar — normalmente sob a influência de uma autoridade — que estão fazendo a coisa certa", diz o pesquisador.

A tese de Haslam foi formulada a partir de um experimento que ele conduziu em parceria com a rede de televisão inglesa BBC em 2002. Ele replicou o experimento da prisão feito por Zimbardo, mas garantiu que não houvesse nenhuma interferência por parte dos pesquisadores e os guardas não soubessem, a princípio, como deviam agir.

Dessa vez, os voluntários demoraram muito mais tempo para assumir seus papéis. Os prisioneiros foram os primeiros a se identificar como um grupo, e encontraram um modo de resistir à autoridade dos guardas, criando um sistema mais igualitário na prisão. Segundo Haslam, isso mostra que as pessoas não se submetem automaticamente aos papéis que lhes são incumbidos, e que elas podem resistir a esses papéis quando não gostam das consequências.

Com o passar do tempo, no entanto, uma parte dos guardas e dos prisioneiros passou a acreditar que a situação estava fugindo do controle e conspirou para criar uma nova hierarquia na prisão. No final, o experimento desencadeou o mesmo tipo de abusos que o realizado nos anos 1970 por Zimbardo. Mas, segundo Haslam, isso não aconteceu porque os voluntários aceitavam cegamente o papel de guarda. Ao contrário, foi só quando os indivíduos passaram a acreditar no novo papel, e a se entusiasmar com as ações, que a nova ordem autoritária se impôs.

Para o psicólogo, o estudo de 2002 demonstrou que aqueles que obedecem à autoridade não o fazem de modo cego, mas de modo ativo. O fazem por escolha e não necessidade e, por isso deveriam ser vistos como seguidores engajados, e não conformistas cegos. Ao analisar o estudo de Stanley Milgram, Haslam diz que os voluntários só aceitaram aplicar os choques porque acreditavam e se identificavam com os objetivos científicos do pesquisador.

Sob esse ponto de vista, Adolf Eichmann, o burocrata nazista, tinha total conhecimento das consequências de seus atos. "Esses burocratas sabiam muito bem o que faziam, mas acreditavam que isso era a coisa certa. Matar pessoas inocentes é difícil, e requer um grande nível de convencimento. Era a fé no regime nazista que lhes permitia fazer isso", diz Haslam em entrevista ao site de VEJA. Para o psicólogo, o alemão não era apenas um funcionário obediente e passivo, mas um participante ativo no massacre de judeus. A corte que julgava Eichmann concordou com essa visão: ele foi considerado culpado de uma série de crimes, incluindo crimes contra a humanidade, e enforcado em 1962 em Israel.

"Se as pessoas apenas seguissem ordens, as tiranias não chegariam a lugar nenhum. Esses regimes contam também com o entusiasmo e fé de seus seguidores" (Alex Haslam)


Seu artigo questiona o resultado dos experimentos de Stanley Milgram e Philip Zimbardo. Quais seriam os erros na pesquisa de Milgram? Eu discordo da ideia de que as pessoas aplicando os choques estão simplesmente seguindo ordens. Na verdade, elas estão trabalhando duro, confrontando uma situação muito desconfortável, para tentar fazer a coisa certa e ajudar no avanço da ciência. Eles acreditam nisso. Não são zumbis ou autômatos, mas pessoas que acreditam estar participando de uma tarefa significSativa. Quando alguns pensadores falam sobre o mal, eles se referem a uma espécie de ladeira escorregadia, pela qual as pessoas deslizam por inércia, sem pensar no que estão fazendo. Não é esse o caso. Os participantes estavam lutando duro – aplicar choques em seres humanos não é uma atividade facilmente digerível – para ir até o fim da experiência.

Essa conclusão pode ser usada para analisar o comportamento de pessoas que vivem sob tiranias? É claro. Muitos historiadores vêm tentando entender o comportamento dos burocratas no regime nazista. Não é o caso de dizer que eles só obedeciam a ordens. Esses burocratas sabiam muito bem o que faziam, e acreditavam que era o certo. Matar pessoas inocentes é difícil, e requer um grande nível de convencimento. Era a fé no regime nazista que lhes permitia fazer isso.

Em 2002, o senhor realizou um experimento muito semelhante ao de Zimbardo, mas chegou a conclusões diferentes. Por que isso aconteceu? Na verdade, nossos experimentos atingiram resultados muito semelhantes. No entanto, ficou muito claro para mim que esse resultado não foi atingido simplesmente porque os guardas se conformaram ao seu papel. Em nossa prisão, o sistema original falhou porque uma parte dos guardas não se identificou com o papel. A cadeia viveu uma espécie de hiato, no qual nada funcionava. Foi aí que um grupo de prisioneiros e guardas se juntou e decidiu que precisavam de um regime mais autoritário. Foi só quando eles passaram a acreditar que essa era a solução para seus problemas que estabeleceram o novo regime. As pessoas não entram naturalmente nesse tipo de situação e começam a brutalizar os outros. Elas só fazem isso quando acreditam que essa é a coisa certa para se atingir um objetivo. Isso pode ser visto em grande parte das tiranias.

Em que tipo de situação isso acontece? As pessoas não são tirânicas porque isso lhes é ordenado. Elas têm de se identificar com a causa. Por exemplo, ninguém estava ouvindo o que Hitler tinha a dizer no começo dos anos 1930. Foi só anos depois, quando os alemães começaram a acreditar que o nazismo tiraria a Alemanha de uma situação difícil, que alguns deles – os mais comprometidos com a ideologia – se tornaram capazes de agir como agiram.

Então os indivíduos que seguem as ordens são ideologicamente comprometidos como a tirania? É isso. Quando procuramos o que dá energia e dinamismo para a tirania, não vamos encontrar pessoas que seguem ordens cegamente. As organizações autoritárias só se sustentam porque alguns indivíduos se identificam com elas, acreditam em seus pressupostos e trabalham duro para atingir seus objetivos. Se as pessoas apenas seguissem ordens, esses regimes não chegariam a lugar nenhum.

Fonte: Revista Veja. Guilherme Rosa

A frágil fronteira da razão

Bruno Abbud

Portadores do transtorno de personalidade conhecido como borderline são excessivamente impulsivos, intolerantes e não suportam o abandono. A automutilação e o suicídio são maneiras que o boderliner encontra para extravasar um sofrimento insuportável.


Olhos claros, entre o azul e o verde, cabelos castanhos e pele branca, Marina, de 29 anos, é portadora do transtorno borderline desde a adolescência. No depoimento abaixo, descreve como se sente quando passa por uma crise:

“Quando entro numa crise, o que mais me incomoda é a sensação de não existir. É como se não houvesse motivos pra eu viver. Um vazio, uma angústia. Nada ao meu redor parece ter cor. Tudo é cinza. Sinto as coisas em câmera lenta. No entanto, meus pensamentos ficam exageradamente rápidos. Sinto uma grande ansiedade, uma incômoda agitação interna. Minha mente fica tão acelerada que, depois do fim da crise, sobra uma grande confusão mental. Algumas vezes, chego a esquecer das situações que passei. Em outras, não consigo identificar se aquilo aconteceu ou se foi um sonho. Mesmo a noção de tempo parece confusa. É como se estivesse em queda livre, num buraco escuro, frio, úmido, sem fim, com muitas imagens passando pelos meus olhos e vozes e sons, vários, zumbindo nos meus ouvidos sem parar. Procuro evitar aquela avalanche de informação, agarrar-me em alguma coisa. Mas não consigo encontrar nada para me amparar. Fico verbalmente agressiva, irritada com qualquer um ou qualquer coisa, impaciente. Sinto-me atacada, invadida a todo momento e, então, ataco de volta. Existe uma variação muito grande de humor. Pelo menos comigo, em toda crise, o pensamento de suicídio é recorrente. E a sensação de falta de esperança também. As duas piores coisas ao sair de uma crise são a vergonha e o medo da recaída”.

Gustavo, de 26 anos, saltou o muro de um estacionamento em São Paulo, entrou no carro e, ao perceber que estava trancado, acelerou na direção do portão. Ele é excessivamente impulsivo. No dia em que a namorada se recusou a dormir em seu apartamento, estilhaçou uma janela de vidro com o punho. Ele é intolerante. Quando terminou outro relacionamento, Gustavo quis se matar. Ele não suporta o abandono. Depois de uma briga com o pai, tentou enforcar-se com uma linha de nylon. Gustavo sofre demais. A soma dessas características indicam que ele é, sobretudo, uma pessoa doente. Diagnosticado no fim de 2010, tem transtorno de personalidade limítrofe, ou, na sigla em inglês, borderline..

Os sintomas indicam que era essa a doença da advogada Giovana Mathias Manzano, de 35 anos, cujo drama foi revelado numa reportagem de VEJA publicada na edição de 13 de julho. Giovana foi encontrada morta em Penápolis, no interior de São Paulo, depois de ter encomendado o próprio assassinato. Sem coragem para cometer suicídio, a advogada contratou um pistoleiro que disparou três tiros contra sua cabeça. Um médico da cidade chegou a classificá-la como portadora do transtorno borderline, mas o diagnóstico não foi unânime entre os especialistas.

Embora o termo borderline (a palavra significa “fronteiriço”) tenha sido cunhado em 1938 pelo psicanalista americano Adolph Stern – ele concluiu que os pacientes portadores de tal transtorno psiquiátrico estavam no limite entre a neurose e a psicose –, foi só na década de 1980 que o diagnóstico da doença se tornou mais preciso. Até então, muitos médicos acreditavam, equivocadamente, que a personalidade de uma pessoa era imutável.

Ao estudar imagens do cérebro e fazer testes em animais, o psiquiatra americano Robert Cloninger provou que a personalidade é a união entre o temperamento e o caráter. “O temperamento é herdado”, explica o psiquiatra Erlei Sassi, coordenador do Ambulatório dos Transtornos de Personalidade e do Impulso do Hospital das Clínicas. “Filho de Pittbull tem tudo para ser um pittbulzinho. Já o caráter é relacionado ao aprendizado, é formado pelo ambiente em que a pessoa vive”. De acordo com Sassi, que estuda o transtorno borderline há 15 anos, o conflito entre o temperamento e o caráter pode gerar uma personalidade problemática. É o caso, por exemplo, de uma criança extremamente perfeccionista que cresce em uma família desorganizada. O convívio levaria a uma frustração constante.

A personalidade começa a ser formada entre o fim da adolescência e o começo da idade adulta. “É nesse momento que os primeiros sintomas de um borderline costumam aparecer”, conta Sassi. O comportamento de uma pessoa, informa o psiquiatra, só configura um transtorno a partir do momento em que o indivíduo gera sofrimento para si e para os outros.

Neste ano, Gustavo tentou suicidar-se quatro vezes. Os braços riscados por cicatrizes evidenciam um dos mais aflitivos sintomas da doença: a autoflagelação. Há quatro meses, por volta das 4 horas da madrugada, deitado na cama, o rapaz telefonou para a mãe, que dormia no quarto vizinho. “Desta vez, acho que eu vou”, disse, com voz pastosa. Ela se levantou num pulo e correu para socorrer o filho. A cena assustou. Ele estava prostrado sobre uma poça de sangue. Os pulsos mutilados e as cartelas vazias do ansiolítico alprazolam caracterizavam a quarta e última tentativa de suicidio.

A versão mais recente do Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais (DSM-IV) – o guia das doenças psiquiátricas publicado pela Associação Americana de Psiquiatria –, descreve o transtorno borderline com nove sintomas: esforços desmedidos para evitar um abandono real ou imaginado; relações interpessoais instáveis e intensas; autoimagem instável; impulsividade em excesso; automutilação e tentativas recorrentes de suicídio; mudanças de humor constantes e extremas; sentimentos crônicos de vazio; acessos incontroláveis de raiva sem motivos aparentes; e episódios de paranoia. Os mesmos sintomas são apontados pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10), publicação da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A família - Para familiares, amigos e leigos, o sofrimento que leva um borderliner a tentar se matar é incompreensível. Segundo Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, a automutilação e o suicídio são maneiras que ele encontra para extravasar um sofrimento insuportável. “O boderliner não suporta ficar só”, explica. “Faz qualquer esforço para não ser abandonado e está sempre se queixando de vazio, de uma falta de sentimento de identidade”. Fernanda Martins, psiquiatra e médica-assistente do Ambulatório dos Transtornos de Personalidade do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, conta que a família do borderliner enfrenta uma dor tão terrível quanto a do paciente. 
Desde as últimas crises de Gustavo, qualquer barulho estranho dentro de casa faz com que sua mãe, Tereza, interrompa a respiração involuntariamente. Falta ar. Ela passou a acordar tarde, a deixar compromissos de lado e a fumar. Não dorme enquanto o filho permanece acordado. O som dos passos durante a noite, o ruído acelerado das teclas do computador, o toque característico do celular, tudo que emerge de Gustavo aflige Tereza, que decidiu grudar pequenos folhetos com orações pelas paredes do apartamento. Enquanto assistia ao filme 2012, uma ficção que descreve como seria o apocalipse, um irmão de Gustavo notou que a mãe parecia simpatizar com a ideia do mundo acabar no próximo ano. 
Gustavo passou por uma dezena de psiquiatras e psicólogos até descobrir do que sofria. O diagnóstico de transtorno borderline demorou quatro anos. Hoje, o rapaz se concentra no tratamento com remédios e psicoterapia. Há seis meses, não passa por uma crise.
A Cura - “Os borderliners melhoram com a idade”, afirma o psicanalista Mauro Hegenberg, autor do livro Borderline. Fernanda Martins reforça a tese: “Os sintomas tornam-se mais amenos depois dos 40 anos”, diz. “Mas se o paciente não for tratado, quando chega a essa idade não se casou, não teve filhos, não se formou, não parou em nenhum trabalho. Tem uma vida tão vazia que acaba caindo em depressão”. Com tratamento, é possível – e muito provável – controlar os sintomas até que desapareçam.
Hegenberg observa que o diagnóstico do borderline é complexo. “O psiquiatra que se baseia apenas nos sintomas incluídos no DSM pode errar”, diz. “É comum confundirem a doença com o transtorno bipolar, por exemplo”. Além do diagnóstico difícil, os médicos precisam saber lidar com os pacientes. “É um atendimento que demanda muita energia”, observa Hegenberg. “Você tem que deixar o celular ligado e estar à disposição 24 horas por dia. Já atendi a muitos telefonemas de pacientes que estavam à beira de um suicídio”. Por que decidiu especializar-se num transtorno tão complexo? “O borderliner é muito cativante”, explica Hegenberg. “São pessoas interessantes, inteligentes, cheias de vida e com uma personalidade extremamente sedutora”. 
Fonte: Revista Veja